G1 : MP abre investigação contra Prefeitura de SP após município retomar contrato com construtora apesar de indícios de fraude

 

Por Will Soares, Laura Cassano, Abrahão de Oliveira, TV Globo

 

O Ministério Público de São Paulo determinou a abertura de um inquérito civil para investigar os motivos que levaram a prefeitura da capital a retomar um contrato com uma construtora suspeita de irregularidades em governos anteriores (leia mais abaixo).

A ação acontece dias depois do reinício da construção de dois túneis na Rua Sena Madureira, na Zona Sul da capital.

 

O procedimento instaurado nesta terça-feira (29) se concentra em três frentes principais sobre a contratação da Álya Construtora (antiga Queiroz Galvão), que está à frente da obra.

 

1) Retomada do contrato

A investigação busca entender por que a prefeitura voltou a contar com os serviços da construtora mesmo após um histórico de irregularidades que resultaram em multas e condenações administrativas.

O documento aponta que a Álya já foi condenada pela Controladoria Geral do Município e alvo de ações na 12ª Vara Cível Federal de São Paulo — uma ação civil pública e uma ação civil de improbidade administrativa em razão de fraude na licitação relacionada ao Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, bem como pagamento de propina a Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da antiga Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.).

Procurada pelo g1, a empresa disse que não vai comentar o caso.

2) Legalidade dos aditivos contratuais

Firmado em 2011, o contrato da obra já sofreu 17 aditivos de suspensão a partir de 2013 sob a justificativa de insuficiência de recursos orçamentários por parte da prefeitura.

3) Impacto ambiental e possível violação de normas urbanísticas

Além disso, o impacto ambiental da obra, que pode afetar uma nascente de água na região, também está em pauta.

A investigação analisa se o projeto respeita as diretrizes estabelecidas no Plano Diretor e no Plano de Mobilidade Urbana de São Paulo (PlanMob/2015), verificando se foram respeitados os processos de licenciamento e se houve alguma negligência em relação ao potencial dano ambiental.

 

Representação encaminhada pelo vereador Celso Giannazi (PT) e pela deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL) citam que "a obra do 'Complexo Viário Sena Madureira' estaria em desacordo com a lei vigente, pois violaria as diretrizes estabelecidas na Política Nacional de Mobilidade Urbana, o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e o Plano de Mobilidade Urbano em São Paulo (PlanMob/2015)".

Possíveis crimes

Com a investigação, o promotor Silvio Antonio Marques quer entender se houve ato de improbidade administrativa doloso ou dano aos cofres públicos, além de possíveis crimes previstos na Lei de Licitações e Contratos Administrativos.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo disse que a Procuradoria Geral do Município não recebeu o ofício do Ministério Público sobre a abertura do inquérito e garantiu que a obra respeita todas as exigências relativas a questões ambientais.

O município afirmou, ainda, que a obra do Túnel Sena Madureira "beneficiará mais de 800 mil pessoas que circulam na região diariamente. A intervenção prevê melhor fluidez do trânsito, comportando ônibus e veículos utilitários e garantindo a interligação entre a Vila Mariana, Ipiranga, Itaim Bibi e Morumbi".

Histórico

A obra tinha sido contratada em 2011 pela gestão de Gilberto Kassab. Era para ter ficado pronta em 2012, mas não ficou, e o prefeito seguinte, Fernando Haddad, largou mão do projeto quando assumiu, em 2013.

 

Desde então, a obra estava parada. Nesse meio-tempo, veio à tona uma denúncia de corrupção envolvendo a construção. Em 2018, em um desdobramento da operação Lava-Jato, o ex-presidente da empresa Galvão Engenharia, Dario Queiroz Galvão Filho, revelou que pagou R$ 1 milhão em propina a Gilberto Kassab para ganhar a licitação e o contrato. Kassab sempre negou.

O caso foi investigado e arquivado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por falta de provas.

A continuidade do acordo pela gestão Ricardo Nunes (MDB), com adequações e atualizações, foi discutida na Câmara Municipal e aprovada pelo Tribunal de Contas do Município. O argumento da prefeitura é de que entregar a obra novamente à Álya sai mais barato do que fazer uma nova licitação.

Em valores atualizados, o túnel deve custar R$ 531 milhões – 140% a mais que o valor original da obra, que continua exposto no canteiro da Rua Sena Madureira.

 

Prefeitura vai remover famílias e 172 árvores na Vila Mariana

O projeto prevê melhorias para o trânsito na região, mas também o corte de 172 árvores, e a remoção de cerca de 150 famílias que vivem em duas comunidades da região.

O primeiro túnel vai da Rua Botucatu até a altura da Rua Mairinque. O segundo, da Rua Mairinque até a Rua Embuaçu, passando por baixo da Rua Domingos de Morais.

Para abrir caminho para os carros, 78 árvores nativas devem desaparecer, além de outras 94 espécimes exóticas. Os cortes foram autorizados, mediante compensação ambiental, pela Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, mas moradores do entorno estão fazendo uma série de protestos contra o desmatamento.

A arquiteta e urbanista Elisa Ramalho Rocha, integrante do Conselho de Meio Ambiente da Vila Mariana, conta que essas árvores fazem parte de um corredor verde que interliga os parques Ibirapuera e da Aclimação:

“Importante para ave-fauna, importante para manter a temperatura, importante para promover a biodiversidade entre essas duas áreas verdes. Deveria ser valorizada a existência desse corredor. A gente precisa preservar e enriquecê-lo com outras árvores nativas, em vez de removê-lo”, afirmou

O túnel também vai passar por uma área que, desde a revisão da Lei de Zoneamento, no ano passado, é reconhecida como ZEPAM (Zona Especial de Proteção Ambiental).

Em um mapa de 1930 da cidade, disponível no site Geosampa, é possível ver que, por ali, passa o Córrego Embuaçu. O próprio estudo de impacto ambiental, que serviu como base para Prefeitura liberar a obra, destaca a "relevância dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos na área”.

O documento ressalta ainda "a importância de preservar os espaços verdes próximos a corpos d'água, que tem papel vital na manutenção da biodiversidade, no controle de temperatura e na melhoria da qualidade do ar".

O Córrego Embuaçu era um dos últimos a céu aberto na cidade, mas, já no início da obra, parte dele foi concretada.

A Prefeitura não reconhece a área como APP (Área de Proteção Permanente). Para Elisa Ramalho Rocha, um erro: “Existe uma nascente e um curso d'agua no local. De acordo com a legislação federal, não há dúvidas de que nós temos sim uma APP naquele local”, explicou.

 

Polêmica também na habitação

A obra também prevê a remoção de duas comunidades instaladas há pelo menos quatro décadas na região: a Souza Ramos e a Luiz Alves. Segundo os moradores, 150 famílias vão ter que se mudar. Elas reclamam que não foram avisadas oficialmente, e que ninguém apresentou um plano de remanejamento.

“Foi pela chegada dos tratores que a gente viu que estava acontecendo alguma coisa”, disse a babá Márcia de Lima, que vive há 35 anos no local. Ela tinha a esperança de, na verdade, ver a casa regularizada, já que a revisão da Lei de Zoneamento também reconheceu a área como de Interesse Social. “Nosso sentimento é de desespero. Nossa habitação é a única coisa que a gente tem”, completou ela.

O que diz a prefeitura

A gestão Ricardo Nunes afirma que nenhuma família ficará desalojada, e que os moradores terão duas opções: receber uma indenização ou aceitarem a realocação em uma nova moradia. O local dessa nova habitação não foi revelado, na nota enviada à TV Globo.

A prefeitura disse também que vai preservar 362 árvores existentes no local, e compensar os cortes previstos com o plantio de 266 mudas, dentro do perímetro da obra. Segundo a administração municipal, não foi confirmada a existência de nenhuma nascente hídrica na área, o que implicaria na preservação permanente do espaço.

 

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