PROMOTORIA DE JUSTIÇA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E SOCIAL DA CAPITAL: RECOMENDAÇÃO
PJPP-CAP n. 0695.0000871/2024
Representante: CONTROLADORIA GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
Representados: MARCOS MONTEIRO (SECRETÁRIO DE INFRAESTRUTURA URBANA E OBRAS DE SÃO PAULO), CELSO GONÇALVES BARBOSA (EX-SECRETÁRIO MUNICIPAL DE MOBILIDADE E TRÂNSITO DE SÃO PAULO), CELSO JORGE CALDEIRA (atual SECRETÁRIO MUNICIPAL DE MOBILIDADE E TRÂNSITO DE SÃO PAULO) e ALYA CONSTRUTORA S/A (atual denominação da CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A.)
Objeto: Eventual prática de atos de improbidade administrativa por agentes públicos municipais e pela empresa ÁLYA CONSTRUTORA S/A (atual denominação da CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A.) - prévio ajuste de preços com outras pessoas jurídicas, pelo qual teria sido frustrado o caráter competitivo de procedimentos licitatórios públicos promovidos pela Prefeitura de São Paulo e DERSA (Desenvolvimento Rodoviário S.A.) de obras civis de infraestrutura e transporte rodoviário, entre 2008 e 2010, para a implementação do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo (Concorrência EMURB n. 0019890100, Concorrência n. 017/10/SIURB e Concorrência EMURB n. 001200100) - indícios de sobrepreço na proposta decorrente da concorrência 017/10/SIURB) - subscrição de termos de suspensão em 2024 - suposta contratação da ALYA em 2024 para obra diferente daquela inicialmente prevista no certame originário e após a comprovação de fraude em licitação - condenação da ALYA em processo administrativo da Controladoria Geral do Município - propositura de ações pelo Ministério Público Federal e Ministério Público de São Paulo por conta da comprovada fraude
RECOMENDAÇÃO
O PROMOTOR DE JUSTIÇA DO PATRIMÔNIO PÚBLICO E SOCIAL DA CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO infra-assinado, no exercício de suas atribuições legais, com base nos arts. 127 e 129, II e VI, da Constituição Federal, e nas disposições da Lei n. 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público):
Considerando que o inquérito civil PJPP-CAP 871/2024 foi iniciado mediante peças de informações encaminhadas pela Controladoria Geral do Município de São Paulo (CGM) em relação à imputação de conluio entre a ÁLYACONSTRUTORA S/A (atual denominação da CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A) e outras pessoas jurídicas, visando a frustrar, mediante prévio ajuste de preços, o caráter competitivo de procedimentos licitatórios públicos promovidos pelo MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, no âmbito do mercado de obras civis de infraestrutura e transporte rodoviário, para a implementação do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo (gestão Gilberto Kassab).
Considerando que a CGM verificou no processo 6067.2019/0026258-6 a responsabilidade das empresas fraudadoras da licitação do Lote 4 da obra da Avenida Roberto Marinho (Concorrência EMURB nº 0019890100) e a obra da Avenida Sena Madureira (Concorrência nº 017/10/SIURB), por apresentação de propostas de cobertura nos Lotes 1, 2 e 3 da Concorrência EMURB nº 0019890100 e na licitação da obra da Avenida Chucri Zaidan (Concorrência EMURB nº 001200100), na forma da Lei 12.846/2013.
Considerando que nos autos do citado processo administrativo, foi proferido pela CGM julgamento antecipado nos seguintes termos: "Desta forma, a fim de evitar repetições, acolho parcialmente o relatório e JULGO ANTECIPADAMENTE o presente processo de responsabilização de pessoa jurídica para CONDENAR a empresa ÁLYA CONSTRUTORA S/A (atual denominação de CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A.), inscrita no CNPJ/MF sob o n° 33.412.792/0001- 60, ao pagamento de uma multa administrativa no importe de R$ 5.570.549,85 (cinco milhões quinhentos e setenta mil novecentos e quinhentos e quarenta e nove reais e oitenta e cinco centavos), à em razão da prática dos atos lesivos previstos no art. 5º, inciso IV, alíneas ‘a’, ‘d’ e ‘g’ da Lei Federal nº 12.846/2013, com fundamento no artigo 6º, inciso I, da Lei Federal nº 12.846/2013 e nos artigos 21 e 22, § 1º, ambos do Decreto Municipal nº 55.107/2014, correspondente à 0,5% (meio por cento) sobre a receita bruta da empresa no ano anterior (2018) ao da instauração do presente PAR (2019), excluídos os tributos pagos, que foi de R$ 1.114.109.970,23 (um bilhão, cento e quatorze milhões, cento e nove mil novecentos e setenta reais e vinte e três centavos), além do ressarcimento dos valores correspondentes aos danos que causou no valor corrigido de R$ 4.716.241,02 (quatro milhões setecentos e dezesseis mil duzentos e quarenta e um reais e dois centavos) considerando o apurado pela Auditoria Geral da Controladoria Geral do Município: R$ 3.847.640,93 (três milhões, oitocentos e quarenta e sete mil, seiscentos e quarenta reais e noventa e três centavos) a título de lucro ilegítimo das Obras do ROMA e R$ 868.600,09 (oitocentos e sessenta e oito mil, seiscentos reais e nove centavos) a título de lucro ilegítimo das Obras do SENA, ambos atualizados até março de 2024 (data da primeira petição da proponente), em consonância com o disposto no § 3º do art.6º da Lei Federal nº 12.846/2013 e artigo 2º II da Instrução Normativa nº 02/2023 da CGM".
Considerando que a citada notícia de fato oriunda da CGM foi enviada inicialmente ao 9º Promotor de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital (por suposta prevenção decorrente do PJPP-CAP 764/2010, já arquivado), que proferiu despacho de diligências preliminares visando à obtenção de elementos, tendo sido expedidos ofícios. Considerando a juntada de cópia da promoção de arquivamento relativa aos autos do PJPP-CAP 1.241/2009, decorrente da propositura da ação civil pública n. 1090941-14.2023.8.26.0053, junto à 12ª Vara da Fazenda Pública da Capital, o que levou o 9º Promotor de Justiça a remeter os autos ao 4º Promotor de Justiça, para verificação de prevenção, que foi aceita.
Considerando que a CGM encaminhou cópia do SEI 6067.2024/0025465-5, no qual consta cópia da guia DAMSP nº 2024000033 no valor de R$ 5.570.549,85 (cinco milhões quinhentos e setenta mil novecentos e quinhentos e quarenta e nove reais e oitenta e cinco centavos), correspondente à multa administrativa devidamente quitada (doc. 111754843), bem como da guia DAMSP nº 2024001802 no valor de R$ 4.716.241,02 (quatro milhões setecentos e dezesseis mil duzentos e quarenta e um reais e dois centavos) correspondente ao valor da vantagem indevida auferida pela empresa ÁLYA, devidamente corrigido monetariamente até a data do protocolo do pedido de julgamento antecipado, para fins de ressarcimento do erário público, também devidamente quitada (doc. 111754937).
Considerando que o contrato referente às obras da Avenida Sena Madureira (Concorrência nº 017/10/SIURB) foi retomado, com a manutenção do resultado fraudado, mesmo após a propositura pelo Ministério Público Federal da ação civil de improbidade administrativa nº 5014974-04.2019.4.03.6100 (12ª Vara Cível Federal de São Paulo) e da propositura pelo Ministério Público de São Paulo da ação civil pública n. 1090941-14.2023.8.26.0053 (12ª Vara da Fazenda Pública da Capital).
Considerando que ÁLYA (nova denominação da QUEIROZ GALVÃO) foi mantida como contratada e para uma obra parcialmente diversa daquela cuja licitação foi fraudada.
Considerando que há, ainda, informações sobre danos ambientais decorrentes da mesma obra, que estão sendo averiguados pela Promotoria de Justiça do Meio Ambiente da Capital.
Considerando a representação enviada por ANTONIO DONATO MADORNO (Deputado Estadual), na qual narrou irregularidades na concorrência n. 017/10/SIURB, em que foi firmado o contrato n. 054/SIURB/2011 com o consórcio QUEIROZ GALVÃO - GALVÃO ENGENHARIA, cujo objeto era a execução do sistema de interligação da Avenida Sena Madureira com a Avenida Ricardo Jafet, no bairro do Ipiranga, em São Paulo, no valor original de R$ 218.963.011,64. Conforme o representante, o contrato teria sido assinado em 2011 e a Ordem de Início de Serviço teria sido emitida em 1/7/2011, exclusivamente para a elaboração de projetos executivos e obtenção de licenciamento ambiental. Contudo, apesar de a expedição da licença ambientar ter sido realizada em 15/7/2013, a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras suspendeu o contrato, justificando insuficiência de recursos no orçamento vigente. Porém, desde então, o contrato foi objeto de sucessivas suspensões, até ser retomado no início de 2024, tendo sido formalizados nesse período 17 Termos Aditivos de suspensão contratual. O representante também alegou que o referido contrato possui graves irregularidades, sendo evidenciados pelos processos em andamento na Controladoria Geral do Município (nº 6067.2023/0001579-9; 6067.2019/0026258-6; 6067.2019/0026259-4 - Sindicância SEI nº 6067.2018/0018665-9), bem como obra trará graves impactos ambientais e sociais.
Considerando a representação encaminhada por CELSO GIANNAZI (Vereador), CARLOS GIANNAZI (Deputado estadual) e LUCIENE CAVALCANTE (Deputada federal), na qual aduziram que a obra do "Complexo Viário Sena Madureira" estaria em desacordo com a lei vigente, pois violaria as diretrizes estabelecidas na Política Nacional de Mobilidade Urbana, o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e o Plano de Mobilidade Urbana no Município de São Paulo (PlanMob/2015), com evidente impacto a uma nascente de água e curso localizado na área da obra, além do histórico da licitação ser questionável.
Considerando a representação encaminhada à Promotoria de Justiça do Meio Ambiente pelo Presidente do Partido Rede Sustentabilidade, sobre a ocorrência de danos ambientais, decorrentes das obras municipais do "Complexo Viário Sena Madureira".
Considerando que o contrato supramencionado, firmado com a ÁLYA CONSTRUTORA S.A. (antiga CONSTRUTORA QUEIROZ GALVÃO S.A) claramente: A) decorre de fraude da qual a empresa participou e que envolve outras licitações do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, sob a responsabilidade da DERSA – DESENVOLVIMENTO RODOVIÁRIO S.A. e do MUNICÍPIO DE SÃO PAULO; B) houve superfaturamento de preços nas diversas licitações de, pelo menos, 10,8%; C) envolveu o pagamento de propina a PAULO VIEIRA DE SOUZA, ex-diretor da DERSA.
Considerando que, durante a instrução do inquérito civil constatou-se que a manutenção da ÁLYA como contratada decorreu de parecer de Assessor Jurídico lançado nos autos do processo administrativo municipal nº 0622.2022/0006895-0, cujo autor (Assessor JOÃO BATISTA DA SILVA) admitiu à Promotoria de Justiça, em 20/11/2024, que errou ao não verificar as fraudes e crimes contra a Administração Pública nas licitações do Programa de Desenvolvimento do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo.
Considerando a resposta constante no ofício nº 407/SMT.GAB/2024, da SECRETARIA MUNICIPAL DE MOBILIDADE E TRÂNSITO, subscrito pelo Secretário-executivo GILMAR PEREIRA MIRANDA, que, claramente, insiste na manutenção da obra em apreço, cuja licitação (concorrência 017/10/SIURB) foi criminosamente fraudada por representantes de várias empresas, a partir de 2008.
Considerando que já foi instalado canteiro de obras na Avenida Sena Madureira, nesta Capital, causando transtornos aos motoristas e transeuntes.
Considerando que há decisões judiciais suspendendo a execução das obras, por problemas ambientais e de mobilidade urbana.
Considerando que o artigo 37, caput, da Constituição Federal de 1988 prescreve que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Considerando que são funções institucionais do Ministério Público, entre outras, “promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos” (art. 129, III, da Constituição Federal).
Considerando que, no caso em apreço, descabe a celebração de qualquer tipo de acordo visando à realização, pelo contrato referido, das obras do Túnel da Avenida Sena Madureira, pois, na origem, houve formação de cartel envolvendo as licitações do Programa do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo, pagamento de propina e evidente prejuízo aos erários do Estado de São Paulo e do Município de São Paulo
RECOMENDA ao Prefeito Municipal de São Paulo, Sr. RICARDO LUÍS REIS NUNES, e ao Secretário Municipal de Mobilidade Urbana e Transporte de São Paulo, Sr. CELSO JORGE CALDEIRA, que:
A) providenciem, em até 10 (dez) dias, a rescisão ou outra forma de extinção por interesse público do contrato das obras referentes ao túnel na Avenida Sena Madureira (concorrência nº 017/10/SIURB), considerando os crimes, fraudes e superfaturamento de preços durante o processo licitatório originário de obras do Programa do Sistema Viário Estratégico Metropolitano de São Paulo (art. 137, VIII, da Lei 14.133/2021).
B) informe a essa Promotoria de Justiça, no mesmo prazo, se será acatada ou não a presente recomendação, apresentando, em caso positivo, plano claro de resolução da questão para evitar a propositura de ação civil pública (Lei n. 7.347/1985) e de ação civil de improbidade administrativa (Lei 8.429/1992).
São Paulo, 3 de fevereiro de 2025.
SILVIO ANTONIO MARQUES
Promotor de Justiça
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